23 de dez. de 2016

Auta de Souza: Se tenho que partir
























Se tenho que partir, que seja
enquanto minha alma
responde à bondade e à beleza,
desperta da letargia,
e, em ânsias de viver,
mergulha direto na magia.


Que eu parta, então,
quando a visão da rosa
é êxtase,
perfume e cor,
repouso da mente,
fonte de calor.

Pois que eu vá
enquanto sofro ainda
com a dor dos que sofrem
e rio com o riso das crianças,
o prazer das mães
na atualização de esperanças.

Se tenho mesmo que ir,
que seja agora
quando a árvore me fala
de sombra e amizade,
das cores do outono,
de paz e felicidade.

Se tenho que dormir,
que durma deslumbrada
com o nascer e o pôr-do-sol,
derramando no mar
um esplendor de prata e ouro
vai-e-vem das ondas a brilhar.

Possa eu repousar
sob um manto de estrelas e luar,
ouvindo a voz do vento,
os murmúrios da floresta,
a melodia dos riachos e cascatas,
mergulhada em plena festa.

Que durma feliz,
ambos realizados
nos braços do meu amor,
nos laços de seu carinho
que se revela suave,
macio como arminho.

Se tenho que partir,
seja, então, de regresso
à casa de meu Pai,
deixando o sonho pela realidade,
uma realidade de sonho,
o mundo perfeito da verdade.

Auta de Souza (Macaíba, 12 de setembro de 1876 — Natal, 7 de fevereiro de 1901) foi uma poetisa brasileira da segunda geração romântica (ultrarromântica, byroniana ou Mal do Século), autora de Horto. Escrevia poemas românticos com alguma influência simbolista, e de alto valor estético. Segundo Luís da Câmara Cascudo, é "a maior poetisa mística do Brasil".

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